terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A União Europeia e a NATO

A União Europeia e a NATO


A NATO e a União Europeia são duas entidades internacionais, especialmente vocacionadas para dar resposta aos desafios atuais, bem como, aptas para reforçar o elo transatlântico, sendo que este se tem relevado fulcral para a manutenção da paz, estabilidade e prosperidade do Ocidente. Nesse sentido, é inegável a existência de uma estreita relação entre elas. 
Para discernir sobre a relação entre a NATO e a UE, considero importante, primeiramente, tomar consciência sobre a essência da NATO e, posteriormente, analisar a evolução da parceria estratégica levada a cabo por estas duas entidades.
Este comentário irá apoiar – se na notícia inserida em anexo.


A NATO


A NATO é uma aliança de países da Europa e América do Norte que proporciona uma ligação exclusiva entre estes dois continentes, permitindo – lhes a consulta e a cooperação nas áreas da defesa e da segurança, bem como, a realização conjunta de operações multinacionais de gestão de crises.
Esta aliança intergovernamental tem o seu alicerce no Tratado do Atlântico Norte, assinado a 4 de Abril de 1949, marcando, assim, o nascimento da organização, sendo que este surge num contexto de Guerra Fria. No seu preâmbulo, o Tratado referia o “desejo de favorecer a estabilidade e o bem-estar na área do Atlântico Norte e o seu objetivo fundamental era atingir a salvaguarda da liberdade e da segurança dos povos da Europa e da América do Norte, em conformidade com os princípios da Carta das Nações Unidas[1]”. A sua cláusula fundamental consistia, assim, na defesa coletiva. Para tal, o artigo 5º dispunha que “as Partes concordam em que o ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas e cada uma, no exercício do direito de legitima defesa, individual ou coletiva, reconhecido pelo artigo 51º da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à parte assim atacada”. Consagrava – se, efetivamente, a defesa mútua, sem prejuízo de afetar o papel das Nações Unidas e a responsabilidade primordial do Conselho de Segurança, na manutenção da paz e segurança internacionais.
Além de ter ficado estabelecido que os seus membros se comprometiam a manter e a desenvolver os seus meios militares, de forma a assegurar a capacidade individual e coletiva, para resistir a um ataque armado, ficou, igualmente, prevista a possibilidade de alargamento, por convite, a qualquer outro Estado Europeu, através de um acordo unânime entre as Partes.
Esta aliança persiste até hoje, contando com 29 Estados Membros[2],onde estes mantêm a sua plena soberania e independência. Apesar de o objetivo fundamental de assegurar a defesa coletiva dos seus membros se encontrar inalterado, tem – se destacado o aspeto da parceria e cooperação com os mais variados sujeitos internacionais, de origem estatal ou interestatal, mas também o estabelecimento de relações com outras organizações internacionais, dizendo – se, a título de exemplo, a Organização das Nações Unidas e a União Europeia.
Relativamente à Europa, a partir de 1994, foi implementada a Identidade Europeia de Segurança e Defesa (ISED) que tinha como finalidade reforçar o pilar europeu na Aliança, levando os europeus a assumir uma maior responsabilidade no que diz respeito à sua própria segurança. Esta iniciativa veio contribuir para uma maior aproximação entre a NATO e a UE, iniciando – se uma certa complementaridade na sua atuação.
Tendo isto em conta, podemos atestar que atualmente está ultrapassada a fase em que o papel da NATO era definido como “to keep the Americans in, the Russsians out and ther Germans down” [3].


Relação entre a União Europeia e a NATO


No período pós 2ª Guerra Mundial, em 1948, foi assinado o Tratado de Bruxelas [4], cuja finalidade consistia no reforço da estabilidade e segurança europeus, contendo, por conseguinte, uma cláusula de assistência mútua, que serviu de embrião à criação da NATO. Em 1950, foi assinado um Tratado [5]que criou a Comunidade Europeia de Defesa. Todavia, este nunca chegou a entrar em vigor. Em 1954, surgiu a União Europeia Ocidental (UEO), [6]que recuperou o artigo 5º do Tratado de Bruxelas, e que sobreviveu até 2011, mas sem grande relevância política, embora, nos seus tempos áureos, especialmente, nos anos 90, tenha funcionado como braço armado da UE e, simultaneamente, elo de ligação à NATO.
O passo seguinte no caminho da integração europeia foi com o Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 1992, onde ficaram consagrados os três pilares: Comunidade Europeia, englobando as políticas económicas e monetárias, a Política Externa e Segurança Comum (PESC) que, futuramente, iria conduzir a uma defesa comum e, por fim, a cooperação nos domínios dos Assuntos Internos e de Justiça. Efetivamente, embora a PESC tenha consistido num avanço colossal, não foi suficiente para colmatar as lacunas nas temáticas de segurança e defesa, algo que se demonstrou aparente na crise da Bósnia – Herzegovina e na crise do Kosovo, onde a Europa demonstrou incapacidade total de intervenção e resolução do maior conflito em solo europeu, desde a 2ª Guerra Mundial. Em 1997, o Tratado de Amesterdão introduziu algumas alterações na PESC, mas fracassou no âmbito da defesa comum, na medida em que apenas mencionava a definição gradual de uma política de defesa comum, mas também não integrava a UEO na UE. Assim sendo, esta organização mantinha o seu papel secundário, numa área indefinida entre a União Europeia e a NATO[7].
Esta necessidade de possuir meios capazes de realizar ações autónomas, apoiadas por um setor militar verosímil, foi discutida na Cimeira Franco – Britânica em Saint – Malo. Como resultado, na Cimeira da UE de Colónia, realizada em Junho de 1999, foi aprovado o objetivo de reforçar a PESC, através do desenvolvimento de uma política europeia comum de segurança e defesa (PCSD), [8]alicerçada em capacidade militares e órgãos de decisão adequados. Por conseguinte, na Cimeira de Helsínquia, desenrolada em Dezembro de 1999, os Estados – Membros da UE aprovaram o Helsinki Headline Goal, no qual se previa que a União passaria a dispor de uma Força de Reação Rápida, constituída entre 50 000 e 60 000 efetivos, a partir de 2003.
Com efeito, doravante 1999, a União Europeia foi alterando, progressivamente, a sua imagem como entidade internacional meramente civil, ficando expressa a vontade de integrar meios militares, aliando – se estes a outros instrumentos ao serviço de resolução de querelas internacionais. 
No final do ano de 2002, foi aprovada a Declaração Conjunta UE – NATO sobre a PESD. Este documento constituiu o início oficial da parceria estratégica e institucionalizou os princípios fundamentais do relacionamento, constatando que embora as duas organizações tenham uma natureza diferente, a parceria é vantajosa para ambas, salientando que é crucial a consulta mútua efetiva, o diálogo e a transparência, bem como, a existência de respeito pela tomada de decisões autónomas e pelos interesses de cada uma e pelos princípios da Carta das Nações Unidas. O ano de 2003 apresentou – se como decisivo, visto que a entrada em vigor do Tratado de Nice consagrou uma arquitetura institucional para a sua Política Europeia de Segurança e Defesa (PCSD) integrada na PESC, dotando-se de estruturas políticas e militares permanentes em Bruxelas, que lhe permitiriam o controlo político e a direção estratégica de operações de gestão de crises. Não obstante, persistia a falta de capacidades de planeamento e de apoio logístico para a realização dessas operações, tendo – se celebrado um acordo de parceria estratégica com a NATO, designado de Berlin Plus, através do qual a Aliança se comprometia a disponibilizar as suas capacidades para apoio às operações da União Europeia. 
Ao longo do ano de 2004, verificou – se alguma evolução nas relações entre estas duas organizações, sendo que nos anos seguintes o relacionamento foi influenciado negativamente por 3 ordens de razões: o alargamento da UE a 25 Membros, deixando de fora a Turquia, o voto dos cipriotas, em referendo interno, contra a reunificação do país e, finalmente, a perseverança francesa na autonomia da UE que se traduzia na recusa de aceitação de reforço da cooperação.
De facto, até ao final de 2007, as relações entre a União Europeia e a NATO estagnaram quase totalmente. Não se realizaram mais operações ao abrigo do Berlin Plus, mas também qualquer exercício conjunto, tendo os contactos ao nível institucional se reduzido a meras reuniões de rotina. Tudo isto dificultou significativamente as tentativas de aproximação encetadas.

Embora a PCSD não tenha sofrido mudanças substanciais nos primeiros anos que se seguiram à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 2009, esta política revelou um enorme potencial de evolução, tanto a nível político como institucional.
De facto, no Tratado supracitado foi introduzida uma cláusula de defesa mútua, semelhante ao artigo 5º da NATO, referindo-se que “se um Estado-Membro vier a ser alvo de agressão armada no seu território, os outros Estados-Membros devem prestar-lhe auxílio e assistência por todos os meios ao seu alcance, em conformidade com o artigo 51º da Carta das Nações Unidas”. Esta cláusula está prevista no artigo 42.º n.º 7 do Tratado da União Europeia (TUE) e tem a sua inspiração nos artigos 5º dos supracitados Tratado de Bruxelas de 1948 e Tratado do Atlântico Norte de 1949. De notar que neste âmbito, os compromissos e a cooperação dos países da União Europeia ao abrigo da política comum de segurança e defesa são consentâneos com os compromissos que tais países assumiram no contexto do Tratado do Atlântico Norte, sendo que, para os Estados que sejam também membros da NATO, esta continua a ser a instância apropriada, à luz do artigo 42º nº7 segundo parágrafo do TUE.
A solicitação do acionamento desta cláusula, na sequência dos ataques terroristas sofridos em França em 2015, demonstrou que a plena aplicação da cláusula necessita de mecanismos práticos e instrumentos jurídicos que, à data, não existem ou são insuficientes. Devido a esse facto, o Parlamento Europeu ressalva a necessidade de se aprovar um quadro legal e infraestrutural para a efetividade da cláusula de assistência mútua, ao mesmo tempo em que apela para um entendimento entre os Estados-Membros sobre o aprofundamento de uma União de Defesa mais eficaz. 


Conclusões


Como sabemos, apesar de estar previsto nos Tratados a criação de uma política de segurança e defesa, até á data a mesma não existe. Contudo, esta afirmação não equivale a uma falta de ambição da União Europeia em ergue – la. 
Para suprir essa lacuna, a UE conta com a relação de cooperação e parceria estabelecida com a NATO que complementa qualquer iniciativa de reforço militar comunitário europeu. Tal como refere Jens Stoltenberg, “a UE não consegue proteger a Europa sozinha, pelo que qualquer iniciativa de reforço militar comunitário terá de ser complementar à Aliança Atlântica”.
Importa, todavia, ressalvar que as características destas duas organizações são muito distintas. 
A NATO é uma Aliança militar, cuja tarefa principal é a condução de operações militares, decididas unanimemente pelos seus membros, com o objetivo fundamental de zelar pela defesa coletiva. Já a União Europeia, sendo essencialmente uma união económica e monetária, dispõe de um conjunto de instrumentos civis que lhe têm possibilitado desempenhar um papel importante na cena internacional, embora com lacunas, que lhe advêm da falta de um instrumento militar credível e também, por vezes, da vontade política para o utilizar. Por isso e apesar de a Europa confiar a sua defesa à NATO, tem procurado desenvolver mecanismos e capacidades militares que lhe permitam a gestão de crises internacionais. Além disso, em conformidade com o que foi mencionado, a primazia continua a pertencer à NATO, sendo que só fará sentido esta deixar de existir, caso a União avance muito mais no que diz respeito à política de defesa. Enquanto isso não acontecer, a primazia prevalecerá do lado da NATO.
Podemos acrescentar que as relações entre a NATO e União Europeia têm evoluído algo lentamente ao longo dos anos e, embora, atualmente, seja óbvia uma cooperação em diversos aspetos práticos ao nível operacional, sobrevivem, ainda, alguns entraves respeitantes ao aspeto político internacional que impedem a fruição de todo o potencial de uma parceria estratégica desta dimensão. Aliado a isto, a essência e substância das relações transatlânticas transformou – se, podendo acarretar algumas divergências, em termos de prioridades a seguir. 
Em suma e apesar de tudo isto, a NATO e EU tem permitido a existência de um período de paz, segurança, estabilidade e prosperidade, algo que se reveste de importância colossal.

Bibliografia

GUERRA MARTINS, Ana Maria, Os desafios contemporâneos à ação externa da União Europeia, Lições de Direito Internacional Público II, Almedina, 2018.





Anexo


Secretário-geral da NATO diz que UE sozinha “não consegue” defender a Europa

O secretário-geral da NATO considerou que qualquer iniciativa de reforço militar comunitário europeu terá de se complementar à Aliança Atlântica.
O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, salientou esta terça-feira que a UE não consegue proteger a Europa sozinha, pelo que qualquer iniciativa de reforço militar comunitário terá de ser complementar à Aliança Atlântica.
“Precisamos também do maior envolvimento possível dos aliados da NATO que não pertencem à UE, porque são importantes para a segurança da Europa. A UE não pode proteger a Europa sozinha e isto já foi dito claramente por líderes europeus”, disse terça-feira o norueguês, numa conversa com jornalistas europeus integrados numa visita organizada pela delegação norte-americana na Aliança Atlântica.
Stoltenberg reiterou que tem “aplaudido o aumento do esforço da UE na Defesa”, porque acredita que esse esforço “pode aumentar as capacidades da Europa na Defesa e também podem resolver alguma da fragmentação das capacidades militares na Defesa da Europa”.
A fragmentação das capacidades, como referiu Stoltenberg, “aumenta os custos e torna mais difícil a interoperabilidade”.
“Para vos dar um exemplo, na Europa existem 11 tipos diferentes de carros de combate do tipo MBT (Main Battle Tank), os Estados Unidos têm um, encarecendo a manutenção e o treino das tripulações. (…) Na Europa há 30 tipos diferentes de veículos de combate para infantaria, os EUA têm três. Na Europa há 31 tipos de navios de guerra, nos Estados Unidos há seis”, exemplificou.
Por isso, disse, qualquer iniciativa da UE para lidar com este problema — aumentando a sua despesa com a Defesa — é bem-vinda.
“Mas há que evitar a duplicação. E isto foi dito claramente pela UE, uma e outra vez, que não querem duplicar a NATO. Por isso não podemos começar a construir estruturas de comando alternativas. Isso duplicaria a NATO e seria como se a UE começasse a competir com a NATO. Isso não faria qualquer sentido”, concluiu.
Stoltenberg também explicou por que razão acha que a UE é incapaz de se defender militarmente sozinha.
“Se olharmos para as capacidades, temos de nos lembrar que após o ‘Brexit’, 80% dos gastos em Defesa da NATO virão de aliados não-UE. E trata-se de geografia: É difícil de imaginar a defesa da Europa sem a Noruega no norte, no mar de Barents, sem a Turquia no sul e sem os Estados Unidos, o Canadá e o Reino Unido a oeste”, salientou.
A UE lançou no final de 2017 a iniciativa PESCO (Permanent Structured Cooperation on Security and Defence, na designação em inglês), uma iniciativa de defesa conjunta que, tal como a NATO, atribui a vários países metas de investimento em capacidade militar.
Os países envolvidos ? Áustria, Bélgica, Bulgária, República Checa, Croácia, Chipre, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Itália, Irlanda, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, Polónia, Portugal, Roménia, Eslovénia, Eslováquia, Espanha e Suécia ? coincidem, na sua grande maioria, com as nações na NATO.
A Áustria, o Chipre, a Finlândia, a Irlanda e a Suécia não pertencem à NATO. 


[1]Preâmbulo do Tratado do Atlântico Norte.
[2]Bélgica (1949), Canadá (1949), Dinamarca (1949), França (1949), Islândia (1949), Itália (1949), Luxemburgo (1949), Holanda (1949), Noruega (1949), Portugal (1949), Reino Unido (1949), Estados Unidos da América (1949), Grécia (1952), Turquia (1952), Alemanha (1955), Espanha (1982), República Checa (1999), Hungria (1999), Polónia (1999), Bulgária (2004), Estónia (2004), Letónia (2004), Lituânia (2004), Roménia (2004), Eslováquia (2004), Eslovénia (2004), Albânia (2009), Croácia (2009) e Montenegro (2017).
[3]Frase proclamada pelo primeiro Secretário-Geral da NATO, entre 1952 e 1956, General Ford Hastings Ismay.
[4]O Tratado de Bruxelas foi um pacto de cooperação, com a duração de 50 anos, que propunha uma aliança a nível económico, social e cultural, pretendo, ainda, o estabelecimento de um sistema de autodefesa coletivo.
[5]A Comunidade Europeia de Defesa traduzia – se num mecanismo estabelecido no Tratado de Paris, de 1950 – 1952, onde se pretendia a coordenação das forças armadas de toda a Europa, em virtude de uma proposta dos EUA com a intenção de rearmamento da Alemanha Oriental.

[6]Era uma organização internacional, sendo que a sua principal função era coordenar os assuntos europeus relacionados com a defesa e com a segurança dos Estados – Membros. A UEO era composta por dez estados, entre eles, Portugal, desde 1988. Em Março de 2010, foi anunciada a sua dissolução após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, tendo a mesma acontecido em 30 de Junho de 2011.
[7]Teresa de Sousa utiliza a expressão pairando algures entre a NATO e a UE, sem vocação definida (cf. TERESA SOUSA, A Europa depois de Amesterdão e de Madrid, em Nação e Defesa nº 84, Uma nova NATO numa nova Europa,1998).
[8]A Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) da União Europeia (UE) faz parte integrante da Política Externa e de Segurança Comum (PESC). Inclui a definição progressiva de uma política de defesa comum da UE e tem por objetivo permitir à UE desenvolver as suas capacidades militares e destacar missões fora da UE tendo em vista a manutenção da paz, a prevenção de conflitos e o reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas. 

To leave or not to leave... That is the question (now!)


To leave or not to leave… That is the question (now!)
Filipe Alexandre Moreira de Oliveira, nº28234

Uma união conflituosa que termina
A 23 de junho de 2016, o Reino Unido tomou uma posição que veio chocar a opinião pública internacional e europeia: a de sair da União Europeia. Uma decisão sem precedente, que até ao Tratado de Lisboa nem sequer vinha prevista nos tratados. Contudo, não é uma decisão que deva causar espanto ou choque.
O Reino Unido, a par com a Irlanda e a Noruega (que não aderiu) pediram a adesão à União Europeia em 1967, tendo esta sido apreciada mais posteriormente (num momento político mais favorável para as Comunidades então)[i]. Acabou por entrar no primeiro alargamento da atual União em 1972. Desde o final da 2ª Guerra Mundial que o Reino Unido, como resposta para a necessidade de uma Europa concertada e sem violência interna, defendeu a existência de organizações de natureza tendencialmente intergovernamental: não o que a União Europeia pretende e nunca pretendeu ser.
A resposta de Churchill, no pós-Segunda Guerra Mundial, para a Europa era a de que “França e Alemanha devem reconciliar-se” e que “O primeiro passo é criar um Conselho da Europa”. Na formação do Conselho da Europa em Haia e em diversos passos assumidos pelas Comunidades Europeias e, depois, União Europeia, em que o Reino Unido tenha participado, nunca este Estado concordou com maior integração e em assumir passos no sentido de uma federalização. Em suma, o Reino Unido assumiu sempre a postura que ficou tão bem descrita na célebre frase “We are with them, but we are not one of them”.[ii]
O que hoje assistimos é, portanto, o fim de uma relação que, na verdade, parecia previsível. Mas este fim é definitivo e irreversível?

A saída do Reino Unido da União – enquadramento jurídico
O famoso Brexit encontra o seu fundamento jurídico no artigo 50.º do Tratado da União Europeia, uma novidade apenas introduzida com o Tratado de Lisboa. O regime instituído neste preceito consiste no seguinte: qualquer Estado-membro pode decidir retirar-se da União. Notifica o desejo de sair da União ao Conselho Europeu e, segundo o procedimento do artigo 218.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, para o qual o artigo 50.º/2 remete, procede-se à negociação de um acordo de saída, que vigora na data neste estabelecida; na falta desta data, dois anos após a manifestação da intenção de sair ao Conselho Europeu; ou pode haver prorrogação do prazo, decidida por unanimidade do Conselho Europeu. O Estado que pede a saída não participa em votações que lhe digam respeito no Conselho ou Conselho Europeu. E, caso após a saída pretenda pedir a adesão à União Europeia novamente, pode fazê-lo novamente, nos termos preceituados no artigo 49.º do Tratado da União Europeia.
Quanto à possível reversão do processo posto em marcha com a intenção de sair manifestada ao Conselho, os Tratados são omissos. Parece, então, que uma intenção de retirada significa um divórcio irreversível. Mas o Tribunal de Justiça da União Europeia veio, na passada segunda-feira, esclarecer esta questão.

O acórdão TJ Whightman
Foi colocada uma questão prejudicial, pelo Court of Session, Inner House, First Division (Escócia) ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre o seguinte:

‘Where, in accordance with Article 50 [TEU], a Member State has notified the European Council of its intention to withdraw from the European Union, does EU law permit that notice to be revoked unilaterally by the notifying Member State; and, if so, subject to what conditions and with what effect relative to the Member State remaining within the European Union?’

Foi proferida, sobre esta questão, o parecer C621/18. Tendo em conta a presunção de que questões sobre Direito da União são relevantes (considerando 27); e que a questão é colocada num contexto em que é necessária a interpretação do Direita da União, neste caso, de uma regra de Direito Primário (considerando 34), o processo foi tido como admissível.
Sobre a possível revogação do processo de saída, o considerando 48 do acórdão refere que não há uma menção expressa nos tratados, particularmente no artigo 50.º do Tratado da União Europeia. Vem, contudo, afirmar que o Estado-membro que esteja em processo de retirada da União possa revogar tal processo:
·         Em primeiro lugar, porque a ratio do artigo 50.º do Tratado da União Europeia visa titular o exercício da soberania dos Estados, daí que faça sentido que este possa revogar;
·         Depois, porque a União baseia-se na igualdade e na liberdade, e do mesmo modo que não se pode forçar um Estado a aderir, não se pode forçar um Estado que não o queira a sair (considerando 65);
·         Depois, não permitir a revogação contraria as finalidades previstas no artigo 1.º do Tratado da União Europeia de criar uma união cada vez mais próxima entre os vários povos do Velho Continente;
·         Por último, o artigo 68.º da Convenção de Viena de Direito dos Tratados corrobora a admissibilidade da revogação – ao fim ao cabo, estamos no âmbito de uma relação entre um Estado e uma organização internacional, relativo a um tratado internacional, matéria que não pode ser alheia ao Direito Internacional Público. A referência à Convenção em questão só é pertinente.

Conclusão
A interrogação apresentada em título – to leave or not to leave? – é, afinal, uma questão a ponderar, como afirmou o TJUE. Afinal, a relação entre o Reino Unido e a União não tem de levar nem a um “divórcio” ou “divórcio e reconciliação”: basta a revogação e o divórcio não precisa de acontecer. Quanto ao seu acontecimento, tal cabe à vontade política britânica, não ao Direito.



[i] DUARTE, Maria Luísa, União Europeia – estática e dinâmica da ordem jurídica comunitária. Almedina, Coimbra, 2017, página 54.
[ii] DUARTE, Maria Luísa, União… páginas 33-35.

A cláusula de solidariedade e a cláusula de assistência mútua


           O Tratado de Lisboa[1] vem reforça a solidariedade entre os países da União Europeia face às ameaças exteriores através da introdução de uma cláusula de defesa mútua[2].
O Tratado de Lisboa não transfere para a União mais competências exclusivas. No entanto, vem altera a forma como a União exerce os seus atuais e novos poderes (partilhados), ao incentivar a participação e ao reforçar a proteção dos cidadãos, ao criar uma nova arquitetura institucional e ao modificar os processos de decisão com vista a uma maior eficiência e transparência, garantindo assim um nível acrescido de controlo parlamentar e de responsabilidade democrática.[3]
O Tratado consagra a Política Comum de Segurança e Defesa como parte integrante da Política Externa e de Segurança Comum (artigo 42.º do TUE) e reforça a capacidade da União neste domínio. Os Estados-Membros colocam à disposição da União capacidades civis e militares que podem ser empregues em missões externas de manutenção da paz, prevenção de conflitos e reforço da segurança internacional, à luz dos princípios da Carta das Nações Unidas (artigo 42.º, n.º 3 do TUE).
Em Resolução do Parlamento Europeu[4] veio a considerar-se que a “segurança dos Estados-membros da União Europeia é indivisível e que todos os cidadãos europeus devem ter as mesmas garantias de segurança e um nível igual de proteção contra ameaças convencionais e não convencionais; que a defesa da paz, da segurança, da democracia, dos direitos do Homem, do Estado de direito e da liberdade na Europa, indispensáveis para o bem-estar das nossas populações, devem continuar a ser um objetivo central e uma responsabilidade dos países europeus e da União”.
Desta forma, a cláusula de assistência mútua vem a ser introduzida em 2009, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa[5], no artigo 42.º, n.º 7 do Tratado da União Europeia e, segundo a mesma, os países da União Europeia têm a obrigação de ajudar um outro Estado-Membro "alvo de uma agressão armada no seu território" e este apoio deve ser coerente com possíveis compromissos no âmbito da NATO[6], que, para os Estados que desta são membros, continua a ser a base da sua defesa coletiva e o fórum para a implementação da mesma.
            A necessidade de estipulação desta cláusula é decorrente da inexistência de qualquer outro dispositivo semelhante no que diz respeito às Missões de Petersberg.[7] Estas missões incluem, no domínio da gestão de crises, missões de manutenção de paz, de restabelecimento da paz e ainda missões humanitárias e de evacuação de nacionais dos países da UEO de zonas em crise. Nos termos desta declaração, os países membros da UEO decidem colocar à disposição da UEO, mas igualmente da NATO e da UE, unidades militares provenientes dos diversos ramos das suas forças convencionais. Sendo que esta necessidade se vem a refletir aquando da ocorrência dos atentados de 11 de setembro de 2001 e dos ataques terroristas subsequentes.
Pelo que, a cláusula de assistência prevê que se um Estado-membro da União vier a ser alvo de agressão armada no seu território, os outros Estados-membro da União devem prestar-lhe assistência por todos os meios ao seu alcance, em conformidade com o artigo 51.° da Carta das Nações Unidas.  O Tratado de Lisboa vem assim reforça a solidariedade entre os países da União Europeia face às ameaças exteriores através da introdução de uma cláusula de defesa mútua.
Esta cláusula estabelece uma ressalva relativamente aos países denominados de “Países Neutros”, na medida em que estipula que “tal não afeta o carácter específico da política de segurança e defesa de determinados Estados-membros”. Estes, que se mantém neutros em questões militares, como será o exemplo Irlanda, Suécia e Áustria, não se envolveriam em conflitos diretos, proporcionando apenas o auxílio que esteja ao seu alcance como, aliás, pressupõe o mesmo preceito.
O Parlamento Europeu vem ainda considerar que mesmo os ataques não armados, como, por exemplo, os ciberataques contra infraestruturas críticas, lançados com o objetivo de causar graves danos e perturbação num Estado-Membro e identificados como sendo provenientes de uma entidade externa, podem ser abrangidos pela cláusula, caso a segurança do Estado-Membro em causa seja significativamente ameaçada pelas consequências do ataque, no pleno respeito pelo princípio da proporcionalidade.
Relativamente a questões de procedimento o Parlamento Europeu vem convidar a Vice-Presidente/Alta Representante a propor medidas práticas e medidas de orientação para assegurar uma resposta eficaz nos casos em que seja invocada a cláusula de assistência mútua. O Conselho deve ainda assegurar uma decisão rápida a favor do Estado-Membro vítima de ataque[8]. Uma vez que a cláusula não estabelece nenhum procedimento formal e o artigo não explicita que a ajuda deva ser militar.
Este preceito vem a ser invocado, pela primeira vez, pelo Ministro da Defesa Francês em Conselho de Ministros da Defesa, no dia 17 de novembro de 2015, subsequente aos ataques terroristas registados a 13 e 14 de novembro de 2015 em Paris. Sendo-lhe reconhecido um apoio unânime por parte de todos os Estados-Membros na medida em que se propõem a prestar todo o auxílio e assistência necessários[9].
A “cláusula de solidariedade” prevista no artigo 222.º TFUE no domínio não militar vem a distinguir-se da cláusula de assistência mútua, que deverá operar em casos em que um Estado-Membro seja alvo de um ataque terrorista ou de uma catástrofe, seja ela de origem humana ou de origem natural.[10]
Mediante o que dispõe esta cláusula, os Estados-membros atuarão em conjunto, num espírito de solidariedade nos casos em que um Estado-Membro for alvo de qualquer uma das situações já mencionadas, e a pedido das suas autoridades políticas. Nesses casos a União deverá ainda mobilizar todos os instrumentos que estejam ao seu alcance, incluindo recursos militares que sejam disponibilizados pelos Estados-membros, para prevenir ameaças terroristas no decorrentes em território da União. Deve, além de prevenir, proteger as instituições democráticas e a população civil de qualquer ataque terrorista.[11]
A cláusula de solidariedade procura levar a União a mobilizar todos os instrumentos ao seu dispor, sendo que os instrumentos relevantes neste domínio serão, nomeadamente, a Estratégia de Segurança Interna da UE, o Mecanismo de Proteção Civil da União estabelecido pela Decisão n.º 1313/2013/UE do Parlamento Europeu e do Conselho[12] («o Mecanismo da União»), a Decisão n.º 1082/2013/UE do Parlamento Europeu e do Conselho[13] e as estruturas criadas no âmbito da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD).
Por seu turno, o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) está dotado de estruturas que dispõem de conhecimentos especializados no domínio das informações ou militar, contando ainda com a rede de delegações, que podem igualmente contribuir para dar resposta a ameaças ou catástrofes no território dos Estados-Membros ou a crises com uma dimensão externa. Consoante o tipo de crise, outras estruturas e agências da União no domínio da Política Externa e de Segurança Comum (PESC), incluindo a PCSD, deverão dar o seu contributo.
Deverão, ainda, ser mobilizados meios para prestar assistência a um Estado-membro no seu território, a pedido das suas autoridades políticas, em caso de catástrofe natural ou de origem humana.
O Parlamento Europeu vem sublinhar a necessidade de os próprios Estados-membros investirem nas suas próprias capacidades ao nível da segurança e da possibilidade resposta aos acontecimentos supramencionados, sem que “confiem excessivamente na solidariedade” dos restantes Estados-membros uma vez que procura salientar a responsabilidade de cada Estado-membro no que respeita à proteção civil e à segurança do seu próprio território.
Desta forma, vem a considerar que esta cláusula só deverá ser invocada “em situações que sobrecarreguem as capacidades de resposta do Estado-membro afetado ou que requeiram uma resposta multissetorial que envolva vários intervenientes.”[14]
Procura, ainda, realçar o papel fundamental do Mecanismo de Proteção Civil enquanto instrumento fulcral, baseada na solidariedade, para uma rápida resposta europeia a um vasto leque de crimes.[15]
O artigo 222.º/2 TFUE dispõe que com o fim de prestação de assistência a pedido das autoridades políticas do Estado-membro afetado, os Estados-membros, devem coordenar-se no Conselho, pelo que é, de todo, conveniente a existência de um dispositivo de coordenação no Conselho, a fim de aplicar a cláusula de solidariedade pela União.
Mediante o que dispõe o art. 5.º da Decisão 2014/415/UE[16], uma vez invocada a cláusula de solidariedade, o Conselho terá que assegurar a direção da política e estratégia de resposta da União a esta invocação. Ao abrigo do art. 3.º/1 da mesma Decisão, a Comissão e o Alto Representante devem identificar os instrumentos relevantes da União e as capacidades militares que melhoram possam contribuir para responder à crise. Além disso, devem identificar e propor a utilização de instrumentos e recursos da competência das agências da União, e ponderar se os mesmos serão suficientes e adequados à resposta à crise em questão. De entre outras medidas instituídas no artigo 5.º da mencionada Decisão.
O Conselho deverá, ainda, ser assistido pelo Comité Político e de Segurança, com o apoio das estruturas desenvolvidas no âmbito da política comum de segurança e defesa, e pelo Comité Permanente ao abrigo do artigo 71.º TFUE.[17]
Desta forma, torna-se claro que estas cláusulas se distinguem, desde logo, pelo facto de a cláusula de solidariedade possuir um mecanismo de resposta próprio, enquanto que a Cláusula de Auxílio Mútuo não dispõe de nenhum procedimento formal, sendo que o art. 42.º n.º 7 TUE também não explicita que a ajuda deva ser militar.
Por outro lado, a primeira propugna pela prevenção de ameaças terroristas e pela assistência, a pedido das autoridades políticas, em caso de catástrofe natural ou de origem humano; ao paço que a segunda propugna pela defesa de agressões armadas no território de um Estado-membro.


[1] Que altera o Tratado da União Europeia e Tratado que institui a Comunidade Europeia (JO C 306 de 17.12.2007); entrada em vigor em 1 de dezembro de 2009.
[2] Artigo 42.°, número 7, do Tratado sobre a União Europeia (TUE)].
[4] de 22 de novembro de 2012, sobre as cláusulas de defesa mútua e solidariedade: dimensões políticas e operacionais (2012/2223(INI)
[5] Terá sido primeiramente incorporada no articulado do Tratado Constitucional (I-41.7)
[6] Neste sentido, Ana Maria Guerra Martins, “Os Desafios Contemporâneos à Ação Externa da União Europeia”, p.356
[7] Estas missões foram instituídas pela Declaração de Petersberg, adotada na sequência do conselho ministerial da UEO, realizado em junho de 1992
[8] Cf. Resolução do Parlamento Europeu, de 22 de novembro de 2012, sobre as cláusulas de defesa mútua e solidariedade: dimensões políticas e operacionais (2012/2223(INI))
[9] Artigo 42.º n.º 7 do TUE
[10] Neste sentido, Ana Maria Guerra Martins, “Os Desafios Contemporâneos à Ação Externa da União Europeia”, p.356
[11] Cf. Resolução do Parlamento Europeu, de 22 de novembro de 2012, sobre as cláusulas de defesa mútua e solidariedade: dimensões políticas e operacionais (2012/2223(INI))
[12] Decisão n.º 1313/2013/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativa a um Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia (JO L 347 de 20.12.2013, p. 924).
[13] Decisão n.º 1082/2013/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa às ameaças sanitárias transfronteiriças graves e que revoga a Decisão n.º 2119/98/CE (JO L 293 de 5.11.2013, p. 1).
[14] Cf. Resolução do Parlamento Europeu, de 22 de novembro de 2012, sobre as cláusulas de defesa mútua e solidariedade: dimensões políticas e operacionais (2012/2223(INI))
[15] A Decisão n.º 1313/2013/UE cria o Centro de Coordenação de Resposta de Emergência («CCRE»), que deverá garantir capacidade operacional 24 horas por dia e 7 dias por semana ao serviço dos Estados-Membros e da Comissão, para a consecução dos objetivos do Mecanismo da União.
[16]  Decisão do Conselho de 24 de junho de 2014, relativa às regras de execução da cláusula de solidariedade pela União
[17] CF., Ana Maria Guerra Martins, “Os Desafios Contemporâneos à Ação Externa da União Europeia”, p. 357

A Ajuda Humanitária no âmbito da Acção Externa da União Europeia


A Ajuda Humanitária no âmbito da Acção Externa da União Europeia

“Ajudar as populações mais vulneráveis do mundo em situações de crise é um imperativo moral para a comunidade internacional e pode fazer a diferença entre a vida e a morte. Em resposta a este imperativo, a União Europeia e os seus Estados-Membros sãos os maiores doadores mundiais de ajuda humanitária (…). A União Europeia promove igualmente o respeito e a adesão ao direito internacional humanitário”[1]
 
  As imagens de guerras e catástrofes frequentemente transmitidas pelos meios de comunicação sociais reflectem a crescente complexidade e vulnerabilidade do mundo em que vivemos. Todos os anos, milhões de pessoas são afectadas por secas, inundações, desabamentos de terras, sismos, incêndios e outras catástrofes naturais. De facto, temos assistido a uma verdadeira escalada de catástrofes e de conflitos bélicos nos últimos tempos. As necessidades e preocupações humanitárias revelam-se, por isso, mais importantes do que nunca.
  A União Europeia (UE) responde a estas situações prestando às vítimas, em qualquer parte do mundo, ajuda de emergência em função das suas necessidades. Fá-lo através da Direcção-Geral da Ajuda Humanitária e Proteção Civil (ECHO) da Comissão Europeia, cuja missão consiste em salvar vidas, atenuar o sofrimento e salvaguardar a dignidade das populações afectadas por crises humanitárias, como também situações eminentes de crise através de medidas de prevenção. A missão da ECHO constitui uma bela expressão da solidariedade como valor fundamental da União.
 
 Ora, desde a ajuda às Filipinas com vista à estabilização do país no rescaldo do tufão Haiyan, em 2013; à protecção da população civil na sequência das inundações de 2014 que devastaram regiões da Bósnia-Herzegovina e Sérvia; passando pela coordenação do transporte aéreo para os países afectados pelo Ébola, nomeadamente, a Guiné, Serra Leoa e Libéria, após o maior surto do vírus registado em 2014; e pelos esforços realizados para apoiar os milhões de sírios que fogem do conflito que assola o seu país, constata-se que a assistência prestada pela União Europeia tem tido um real e verdadeiro impacto para os que dela necessitam.
  A decisão de criar a ECHO foi tomada pelos 12 Estados-Membros que então constituíam a União Europeia e se confrontavam com as limitações da capacidade de resposta da Europa face às crises humanitárias que assolaram o mundo em 1991. Catástrofes de grande amplitude, como o conflito na antiga Jugoslávia, um ciclone no Bangladeche ou a fome na Somália, exigiram um reforço da coordenação a nível da UE para poder reagir mais rápida e eficazmente. A ECHO foi, assim, lançada com cerca de 40 colaboradores. Hoje em dia, a ECHO é uma grande e eficiente organização, com cerca de 300 pessoas a trabalhar na sua sede em Bruxelas, juntamente com mais de 400 peritos em ajuda humanitária nos seus 44 gabinetes locais, situados nos países mais gravemente afectados por crises em África, na Ásia e na América Latina. Os seus recursos humanos e financeiros e o seu quadro de acção foram sendo constantemente adaptados, por forma a permitir à União Europeia enfrentar desafios cada vez maiores. Em 2007, as instituições e os então 27 Estados-Membros da União Europeia chegaram a acordo sobre um documento estratégico intitulado “Consenso Europeu em matéria de Ajuda Humanitária”, no qual se estabelece que a ajuda humanitária da UE não é um instrumento político e se reafirmam os seus princípios orientadores: neutralidade, humanidade, independência e imparcialidade. [2]

Enquadramento legal

 Pode-se dizer que a ajuda humanitária é um “subdomínio do domínio”[3] da acção externa, introduzido pelo Tratado de Lisboa, resulta, sobretudo, do disposto nos arts. 214º e 222º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Ao passo que o art. 214º do TFUE contempla a ajuda humanitária para Estados terceiros, o art. 222º do TFUE diz respeito à ajuda humanitária para Estados membros, inserida na Cláusula de Solidariedade. A ajuda humanitária está incluída na Acção Externa da União, como resulta do art. 21º, número 2, al. g) do Tratado da União europeia (TUE). Conforme estipula o art. 214º, número 3 do TFUE, compete ao Parlamento Europeu e ao Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, as medidas de execução da ajuda humanitária.
  No âmbito da ajuda humanitária a competência é partilhada (art. 4º, número 4 TFUE), o que significa que as acções da União e dos Estados membros reforçam-se e completam-se, no quadro da coerência de ambas as intervenções. Os Estados-Membros da União Europeia partilham, assim, a responsabilidade de disponibilizar ajuda humanitária, em cooperação com organizações humanitárias internacionais e locais.
  O art. 214º do TFUE refere que a ajuda humanitária é pontual, seguindo a União o princípio da subsidiariedade, ou seja, só actua quando as estruturas internas de resposta dos Estados ou outras organizações internacionais (em particular, ONGS) não conseguem dar resposta às necessidades de urgência. A ajuda humanitária da UE é, assim, uma ajuda de último recurso.



Corpo Europeu de Voluntários para a Ajuda Humanitária
  Tal como previsto no art. 214º, número 5 do TFUE, a União Europeia criou um corpo voluntário europeu de ajuda humanitária com o objectivo de dar aos cidadãos a oportunidade de participarem nas acções humanitárias. O programa de voluntários está aberto a jovens que planeiam enveredar por uma carreira neste domínio e a peritos em ajuda humanitária com experiência, sendo que a União faz da segurança dos voluntários uma prioridade. O referido programa reforça a capacidade da União para prestar ajuda humanitária em função das necessidades dos países terceiros e contribui para a formação dos futuros responsáveis pela ajuda humanitária, dando simultaneamente aos jovens europeus a oportunidade de demonstrarem a sua solidariedade com as populações necessitadas.


Perspectivas de futuro

  A União tem ocupado uma posição de liderança na resposta às necessidades humanitárias em todo o mundo, não só por ser um dos principais doadores, mas também por estabelecer normas de respeito do direito internacional humanitário e dos princípios humanitários. Estima-se que, desde 2007, tenham sido doados mais de 1 bilião de euros[4]
Até agora tem sido possível adoptar estratégias eficazes para garantir que o orçamento disponível para a ajuda humanitária é usado em benefício das populações com necessidades mais urgentes em qualquer parte do mundo.
Porém os desafios colocados por um mundo cada vez mais vulnerável, complexo e imprevisível; alterações climáticas cada vez mais severas que provocam catástrofes naturais, mais conflitos armados que provocam elevado número de refugiados, e o terrorismo, é essencial que os mecanismos criados para fazer face a situações de emergência consigam acompanhar.
 Nesta medida, impõe-se que a União procure continuamente adaptar e melhorar os referidos mecanismos, para que se encontre habilitada para responder de forma mais eficaz e eficiente a situações de catástrofe.
  





Bibliografia:
Mesquita, Maria Rangel – A actuação externa da União Europeia depois do Tratado, Almedina 2011

Comissão Europeia: Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho. Relatório anual sobre as políticas de ajuda humanitária e de protecção civil da União Europeia e sua aplicação em 2011. Bruxelas, 6.9.2012, disponível em www.eur-lex.europa.eu/homepage
Conselho: O Consenso Europeu em Matéria de Ajuda Humanitária. O desafio Humanitário, pontos nºs 10 a 18, 25 a 30 e 88 a 95, JOUE C25/1, de 30.1.2008, disponível em: www.eurlex.europa.eu/homepage
Comissão Europeia: Increased support for humanitarian aid in spite of economic crisis, Memo, Eurobarometer survey, 8.6.2012, disponível em: www.eur-lex.europa.eu/homepage



[1] Comissão Europeia: Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho. Relatório anual sobre as políticas de ajuda humanitária e de protecção civil da União Europeia e sua aplicação em 2011.
[2] Conselho: O Consenso Europeu em Matéria de Ajuda Humanitária. O desafio Humanitário, pontos nºs 10 a 18, 25 a 30 e 88 a 95, JOUE C25/1, de 30.1.2008,
[3] A actuação externa da União Europeia depois do Tratado de Lisboa, Maria Rangel de Mesquita
[4] Comissão Europeia: Increased support for humanitarian aid in spite of economic crisis, Memo, Eurobarometer survey, 8.6.2012,