A União Europeia e a NATO
A NATO e a União Europeia são duas entidades internacionais, especialmente vocacionadas para dar resposta aos desafios atuais, bem como, aptas para reforçar o elo transatlântico, sendo que este se tem relevado fulcral para a manutenção da paz, estabilidade e prosperidade do Ocidente. Nesse sentido, é inegável a existência de uma estreita relação entre elas.
Para discernir sobre a relação entre a NATO e a UE, considero importante, primeiramente, tomar consciência sobre a essência da NATO e, posteriormente, analisar a evolução da parceria estratégica levada a cabo por estas duas entidades.
Este comentário irá apoiar – se na notícia inserida em anexo.
A NATO
A NATO é uma aliança de países da Europa e América do Norte que proporciona uma ligação exclusiva entre estes dois continentes, permitindo – lhes a consulta e a cooperação nas áreas da defesa e da segurança, bem como, a realização conjunta de operações multinacionais de gestão de crises.
Esta aliança intergovernamental tem o seu alicerce no Tratado do Atlântico Norte, assinado a 4 de Abril de 1949, marcando, assim, o nascimento da organização, sendo que este surge num contexto de Guerra Fria. No seu preâmbulo, o Tratado referia o “desejo de favorecer a estabilidade e o bem-estar na área do Atlântico Norte e o seu objetivo fundamental era atingir a salvaguarda da liberdade e da segurança dos povos da Europa e da América do Norte, em conformidade com os princípios da Carta das Nações Unidas[1]”. A sua cláusula fundamental consistia, assim, na defesa coletiva. Para tal, o artigo 5º dispunha que “as Partes concordam em que o ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas e cada uma, no exercício do direito de legitima defesa, individual ou coletiva, reconhecido pelo artigo 51º da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à parte assim atacada”. Consagrava – se, efetivamente, a defesa mútua, sem prejuízo de afetar o papel das Nações Unidas e a responsabilidade primordial do Conselho de Segurança, na manutenção da paz e segurança internacionais.
Além de ter ficado estabelecido que os seus membros se comprometiam a manter e a desenvolver os seus meios militares, de forma a assegurar a capacidade individual e coletiva, para resistir a um ataque armado, ficou, igualmente, prevista a possibilidade de alargamento, por convite, a qualquer outro Estado Europeu, através de um acordo unânime entre as Partes.
Esta aliança persiste até hoje, contando com 29 Estados Membros[2],onde estes mantêm a sua plena soberania e independência. Apesar de o objetivo fundamental de assegurar a defesa coletiva dos seus membros se encontrar inalterado, tem – se destacado o aspeto da parceria e cooperação com os mais variados sujeitos internacionais, de origem estatal ou interestatal, mas também o estabelecimento de relações com outras organizações internacionais, dizendo – se, a título de exemplo, a Organização das Nações Unidas e a União Europeia.
Relativamente à Europa, a partir de 1994, foi implementada a Identidade Europeia de Segurança e Defesa (ISED) que tinha como finalidade reforçar o pilar europeu na Aliança, levando os europeus a assumir uma maior responsabilidade no que diz respeito à sua própria segurança. Esta iniciativa veio contribuir para uma maior aproximação entre a NATO e a UE, iniciando – se uma certa complementaridade na sua atuação.
Tendo isto em conta, podemos atestar que atualmente está ultrapassada a fase em que o papel da NATO era definido como “to keep the Americans in, the Russsians out and ther Germans down” [3].
Relação entre a União Europeia e a NATO
No período pós 2ª Guerra Mundial, em 1948, foi assinado o Tratado de Bruxelas [4], cuja finalidade consistia no reforço da estabilidade e segurança europeus, contendo, por conseguinte, uma cláusula de assistência mútua, que serviu de embrião à criação da NATO. Em 1950, foi assinado um Tratado [5]que criou a Comunidade Europeia de Defesa. Todavia, este nunca chegou a entrar em vigor. Em 1954, surgiu a União Europeia Ocidental (UEO), [6]que recuperou o artigo 5º do Tratado de Bruxelas, e que sobreviveu até 2011, mas sem grande relevância política, embora, nos seus tempos áureos, especialmente, nos anos 90, tenha funcionado como braço armado da UE e, simultaneamente, elo de ligação à NATO.
O passo seguinte no caminho da integração europeia foi com o Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 1992, onde ficaram consagrados os três pilares: Comunidade Europeia, englobando as políticas económicas e monetárias, a Política Externa e Segurança Comum (PESC) que, futuramente, iria conduzir a uma defesa comum e, por fim, a cooperação nos domínios dos Assuntos Internos e de Justiça. Efetivamente, embora a PESC tenha consistido num avanço colossal, não foi suficiente para colmatar as lacunas nas temáticas de segurança e defesa, algo que se demonstrou aparente na crise da Bósnia – Herzegovina e na crise do Kosovo, onde a Europa demonstrou incapacidade total de intervenção e resolução do maior conflito em solo europeu, desde a 2ª Guerra Mundial. Em 1997, o Tratado de Amesterdão introduziu algumas alterações na PESC, mas fracassou no âmbito da defesa comum, na medida em que apenas mencionava a definição gradual de uma política de defesa comum, mas também não integrava a UEO na UE. Assim sendo, esta organização mantinha o seu papel secundário, numa área indefinida entre a União Europeia e a NATO[7].
Esta necessidade de possuir meios capazes de realizar ações autónomas, apoiadas por um setor militar verosímil, foi discutida na Cimeira Franco – Britânica em Saint – Malo. Como resultado, na Cimeira da UE de Colónia, realizada em Junho de 1999, foi aprovado o objetivo de reforçar a PESC, através do desenvolvimento de uma política europeia comum de segurança e defesa (PCSD), [8]alicerçada em capacidade militares e órgãos de decisão adequados. Por conseguinte, na Cimeira de Helsínquia, desenrolada em Dezembro de 1999, os Estados – Membros da UE aprovaram o Helsinki Headline Goal, no qual se previa que a União passaria a dispor de uma Força de Reação Rápida, constituída entre 50 000 e 60 000 efetivos, a partir de 2003.
Com efeito, doravante 1999, a União Europeia foi alterando, progressivamente, a sua imagem como entidade internacional meramente civil, ficando expressa a vontade de integrar meios militares, aliando – se estes a outros instrumentos ao serviço de resolução de querelas internacionais.
No final do ano de 2002, foi aprovada a Declaração Conjunta UE – NATO sobre a PESD. Este documento constituiu o início oficial da parceria estratégica e institucionalizou os princípios fundamentais do relacionamento, constatando que embora as duas organizações tenham uma natureza diferente, a parceria é vantajosa para ambas, salientando que é crucial a consulta mútua efetiva, o diálogo e a transparência, bem como, a existência de respeito pela tomada de decisões autónomas e pelos interesses de cada uma e pelos princípios da Carta das Nações Unidas. O ano de 2003 apresentou – se como decisivo, visto que a entrada em vigor do Tratado de Nice consagrou uma arquitetura institucional para a sua Política Europeia de Segurança e Defesa (PCSD) integrada na PESC, dotando-se de estruturas políticas e militares permanentes em Bruxelas, que lhe permitiriam o controlo político e a direção estratégica de operações de gestão de crises. Não obstante, persistia a falta de capacidades de planeamento e de apoio logístico para a realização dessas operações, tendo – se celebrado um acordo de parceria estratégica com a NATO, designado de Berlin Plus, através do qual a Aliança se comprometia a disponibilizar as suas capacidades para apoio às operações da União Europeia.
Ao longo do ano de 2004, verificou – se alguma evolução nas relações entre estas duas organizações, sendo que nos anos seguintes o relacionamento foi influenciado negativamente por 3 ordens de razões: o alargamento da UE a 25 Membros, deixando de fora a Turquia, o voto dos cipriotas, em referendo interno, contra a reunificação do país e, finalmente, a perseverança francesa na autonomia da UE que se traduzia na recusa de aceitação de reforço da cooperação.
De facto, até ao final de 2007, as relações entre a União Europeia e a NATO estagnaram quase totalmente. Não se realizaram mais operações ao abrigo do Berlin Plus, mas também qualquer exercício conjunto, tendo os contactos ao nível institucional se reduzido a meras reuniões de rotina. Tudo isto dificultou significativamente as tentativas de aproximação encetadas.
Embora a PCSD não tenha sofrido mudanças substanciais nos primeiros anos que se seguiram à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 2009, esta política revelou um enorme potencial de evolução, tanto a nível político como institucional.
De facto, no Tratado supracitado foi introduzida uma cláusula de defesa mútua, semelhante ao artigo 5º da NATO, referindo-se que “se um Estado-Membro vier a ser alvo de agressão armada no seu território, os outros Estados-Membros devem prestar-lhe auxílio e assistência por todos os meios ao seu alcance, em conformidade com o artigo 51º da Carta das Nações Unidas”. Esta cláusula está prevista no artigo 42.º n.º 7 do Tratado da União Europeia (TUE) e tem a sua inspiração nos artigos 5º dos supracitados Tratado de Bruxelas de 1948 e Tratado do Atlântico Norte de 1949. De notar que neste âmbito, os compromissos e a cooperação dos países da União Europeia ao abrigo da política comum de segurança e defesa são consentâneos com os compromissos que tais países assumiram no contexto do Tratado do Atlântico Norte, sendo que, para os Estados que sejam também membros da NATO, esta continua a ser a instância apropriada, à luz do artigo 42º nº7 segundo parágrafo do TUE.
A solicitação do acionamento desta cláusula, na sequência dos ataques terroristas sofridos em França em 2015, demonstrou que a plena aplicação da cláusula necessita de mecanismos práticos e instrumentos jurídicos que, à data, não existem ou são insuficientes. Devido a esse facto, o Parlamento Europeu ressalva a necessidade de se aprovar um quadro legal e infraestrutural para a efetividade da cláusula de assistência mútua, ao mesmo tempo em que apela para um entendimento entre os Estados-Membros sobre o aprofundamento de uma União de Defesa mais eficaz.
Conclusões
Como sabemos, apesar de estar previsto nos Tratados a criação de uma política de segurança e defesa, até á data a mesma não existe. Contudo, esta afirmação não equivale a uma falta de ambição da União Europeia em ergue – la.
Para suprir essa lacuna, a UE conta com a relação de cooperação e parceria estabelecida com a NATO que complementa qualquer iniciativa de reforço militar comunitário europeu. Tal como refere Jens Stoltenberg, “a UE não consegue proteger a Europa sozinha, pelo que qualquer iniciativa de reforço militar comunitário terá de ser complementar à Aliança Atlântica”.
Importa, todavia, ressalvar que as características destas duas organizações são muito distintas.
A NATO é uma Aliança militar, cuja tarefa principal é a condução de operações militares, decididas unanimemente pelos seus membros, com o objetivo fundamental de zelar pela defesa coletiva. Já a União Europeia, sendo essencialmente uma união económica e monetária, dispõe de um conjunto de instrumentos civis que lhe têm possibilitado desempenhar um papel importante na cena internacional, embora com lacunas, que lhe advêm da falta de um instrumento militar credível e também, por vezes, da vontade política para o utilizar. Por isso e apesar de a Europa confiar a sua defesa à NATO, tem procurado desenvolver mecanismos e capacidades militares que lhe permitam a gestão de crises internacionais. Além disso, em conformidade com o que foi mencionado, a primazia continua a pertencer à NATO, sendo que só fará sentido esta deixar de existir, caso a União avance muito mais no que diz respeito à política de defesa. Enquanto isso não acontecer, a primazia prevalecerá do lado da NATO.
Podemos acrescentar que as relações entre a NATO e União Europeia têm evoluído algo lentamente ao longo dos anos e, embora, atualmente, seja óbvia uma cooperação em diversos aspetos práticos ao nível operacional, sobrevivem, ainda, alguns entraves respeitantes ao aspeto político internacional que impedem a fruição de todo o potencial de uma parceria estratégica desta dimensão. Aliado a isto, a essência e substância das relações transatlânticas transformou – se, podendo acarretar algumas divergências, em termos de prioridades a seguir.
Em suma e apesar de tudo isto, a NATO e EU tem permitido a existência de um período de paz, segurança, estabilidade e prosperidade, algo que se reveste de importância colossal.
Bibliografia
GUERRA MARTINS, Ana Maria, Os desafios contemporâneos à ação externa da União Europeia, Lições de Direito Internacional Público II, Almedina, 2018.
Anexo
Secretário-geral da NATO diz que UE sozinha “não consegue” defender a Europa
O secretário-geral da NATO considerou que qualquer iniciativa de reforço militar comunitário europeu terá de se complementar à Aliança Atlântica.
O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, salientou esta terça-feira que a UE não consegue proteger a Europa sozinha, pelo que qualquer iniciativa de reforço militar comunitário terá de ser complementar à Aliança Atlântica.
“Precisamos também do maior envolvimento possível dos aliados da NATO que não pertencem à UE, porque são importantes para a segurança da Europa. A UE não pode proteger a Europa sozinha e isto já foi dito claramente por líderes europeus”, disse terça-feira o norueguês, numa conversa com jornalistas europeus integrados numa visita organizada pela delegação norte-americana na Aliança Atlântica.
Stoltenberg reiterou que tem “aplaudido o aumento do esforço da UE na Defesa”, porque acredita que esse esforço “pode aumentar as capacidades da Europa na Defesa e também podem resolver alguma da fragmentação das capacidades militares na Defesa da Europa”.
A fragmentação das capacidades, como referiu Stoltenberg, “aumenta os custos e torna mais difícil a interoperabilidade”.
“Para vos dar um exemplo, na Europa existem 11 tipos diferentes de carros de combate do tipo MBT (Main Battle Tank), os Estados Unidos têm um, encarecendo a manutenção e o treino das tripulações. (…) Na Europa há 30 tipos diferentes de veículos de combate para infantaria, os EUA têm três. Na Europa há 31 tipos de navios de guerra, nos Estados Unidos há seis”, exemplificou.
Por isso, disse, qualquer iniciativa da UE para lidar com este problema — aumentando a sua despesa com a Defesa — é bem-vinda.
“Mas há que evitar a duplicação. E isto foi dito claramente pela UE, uma e outra vez, que não querem duplicar a NATO. Por isso não podemos começar a construir estruturas de comando alternativas. Isso duplicaria a NATO e seria como se a UE começasse a competir com a NATO. Isso não faria qualquer sentido”, concluiu.
Stoltenberg também explicou por que razão acha que a UE é incapaz de se defender militarmente sozinha.
“Se olharmos para as capacidades, temos de nos lembrar que após o ‘Brexit’, 80% dos gastos em Defesa da NATO virão de aliados não-UE. E trata-se de geografia: É difícil de imaginar a defesa da Europa sem a Noruega no norte, no mar de Barents, sem a Turquia no sul e sem os Estados Unidos, o Canadá e o Reino Unido a oeste”, salientou.
A UE lançou no final de 2017 a iniciativa PESCO (Permanent Structured Cooperation on Security and Defence, na designação em inglês), uma iniciativa de defesa conjunta que, tal como a NATO, atribui a vários países metas de investimento em capacidade militar.
Os países envolvidos ? Áustria, Bélgica, Bulgária, República Checa, Croácia, Chipre, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Itália, Irlanda, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, Polónia, Portugal, Roménia, Eslovénia, Eslováquia, Espanha e Suécia ? coincidem, na sua grande maioria, com as nações na NATO.
A Áustria, o Chipre, a Finlândia, a Irlanda e a Suécia não pertencem à NATO.
[1]Preâmbulo do Tratado do Atlântico Norte.
[2]Bélgica (1949), Canadá (1949), Dinamarca (1949), França (1949), Islândia (1949), Itália (1949), Luxemburgo (1949), Holanda (1949), Noruega (1949), Portugal (1949), Reino Unido (1949), Estados Unidos da América (1949), Grécia (1952), Turquia (1952), Alemanha (1955), Espanha (1982), República Checa (1999), Hungria (1999), Polónia (1999), Bulgária (2004), Estónia (2004), Letónia (2004), Lituânia (2004), Roménia (2004), Eslováquia (2004), Eslovénia (2004), Albânia (2009), Croácia (2009) e Montenegro (2017).
[3]Frase proclamada pelo primeiro Secretário-Geral da NATO, entre 1952 e 1956, General Ford Hastings Ismay.
[4]O Tratado de Bruxelas foi um pacto de cooperação, com a duração de 50 anos, que propunha uma aliança a nível económico, social e cultural, pretendo, ainda, o estabelecimento de um sistema de autodefesa coletivo.
[5]A Comunidade Europeia de Defesa traduzia – se num mecanismo estabelecido no Tratado de Paris, de 1950 – 1952, onde se pretendia a coordenação das forças armadas de toda a Europa, em virtude de uma proposta dos EUA com a intenção de rearmamento da Alemanha Oriental.
[6]Era uma organização internacional, sendo que a sua principal função era coordenar os assuntos europeus relacionados com a defesa e com a segurança dos Estados – Membros. A UEO era composta por dez estados, entre eles, Portugal, desde 1988. Em Março de 2010, foi anunciada a sua dissolução após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, tendo a mesma acontecido em 30 de Junho de 2011.
[7]Teresa de Sousa utiliza a expressão pairando algures entre a NATO e a UE, sem vocação definida (cf. TERESA SOUSA, A Europa depois de Amesterdão e de Madrid, em Nação e Defesa nº 84, Uma nova NATO numa nova Europa,1998).
[8]A Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) da União Europeia (UE) faz parte integrante da Política Externa e de Segurança Comum (PESC). Inclui a definição progressiva de uma política de defesa comum da UE e tem por objetivo permitir à UE desenvolver as suas capacidades militares e destacar missões fora da UE tendo em vista a manutenção da paz, a prevenção de conflitos e o reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas.